terça-feira, 8 de novembro de 2011

A surpresa


Mais uma vez está ali me observando. Para de me olhar. Para de me olhar. Para de. Oi, tudo bem? Tudo. Olhos verdes fixos. Pele perfeitamente esculpida. Cabelos bem cuidados. Sorriso de tirar qualquer um do sério. Não vai perguntar como eu estou? Engole seco. Tudo bem? Tento retribuir a simpatia. Não. É que você sempre ficar me olhando, mas nunca fala comigo. Não aguentei mais esperar e vim falar com você. Me espanto. É que. Que você quer falar algo comigo? É. Não sei. É que. Pega na minha mão. Tá afim de sair hoje depois do trabalho? Podemos jantar e você me conta o motivo de me observar há quatro meses. Está falando sério? Passo aqui mais tarde. Carinho em minha mão e se afasta. O que era aquilo! Eu realmente. Nós. Sério?! Começo a rir.

sábado, 5 de novembro de 2011

As veias de Inês


Me ofereceram um nome. Queriam figurar um tal personagem que não sabia muito bem sobre o bom senso e se envolvia em mil confusões. Ela me disse que há muito tempo tinha vivido com seus pais viajando com o circo por algum lugar perto de Santiago. Me mostrou uma foto do memorial Veias Abertas. Fui ver meu rosto no espelho, não sei para quê já que não o reconhecia. Fora tocar piano enquanto me narrava outros fatos de sua vida. Ouvia. Ouvia. Ouvia. Com ela eu era tão paciente. Desvendava amazônias, montanhas em Calafete e tudo mais. Estava bêbado de tantos flashes memoriais. Boca torta, mente confusa. Desculpe-me por não me recordar de tudo como deveria. Depois disso só lembro dos policiais chegando e Inês deitada sobre o piano sonhando sei lá com o que.

You've got (1) new message



"Luisa, me desculpe por ter ido embora sem me despedir. Não sabia como falar com você, mas acho que essa música explica como estou me sentindo. Saudades, Lucas."

Tap the world, across the moon



Emily cantava com a mesma doce voz embalada pelo ritmo suave. Eu sozinho buscava por uma companhia. Caminhava por aquela praça vendo silhuetas de gente de todos os tipos fazendo compras em barraquinhas de diversos artigos. Eram tecidos, artesanato, comida e sabe Deus o que mais. O chão era de pedra portuguesa. O ar tinha uma certa nebulosidade que ocultava o adiante. Ao nosso redor prédios difusos e ruas comuns, nada de especial. Vegetação pouca, exceto por algumas arvores, creio que era palmeiras embora não tenha olhado para cima. Enquanto tal cenário me acolhia estranhamente Emily continuava a cantar "Tap the world, across the moon". Foi então quando vi um grupo de silhuetas perto de uma arvore pregando papeis com diversos desejos. "Ajude minha mãe"; "Preciso de um emprego"; "Olhem pelos nossos políticos". Olhei para baixo. Havia uma cesta de retalho com pequenos papeis em branco e um lápis simples preto. Aproximei-me e escrevi "Faça com que alguém apareça".Igualmente preguei na arvore o pedido e me afastei. Continuei a vagar pela praça em busca de algo que não sabia dizer. Meus passos ao lento ritmo da cantoria suave. Foi quando olhei para um retrato e vi aquele rosto.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

(Re)Contato


A julgar pelo modo como falava parecia ser de fora. Tinha aquele sotaque de espanhol com um português paulistano. Dizia alto como se assim o outro fosse entender melhor. Quando se aproximou de mim, abri espaço para passar. Vai saber para onde foi depois. Eu? Eu fiquei lá. Parado. Olhava o mar e as pessoas a brincar. Eu de terno, eles de roupas de banho. Estava em horário de almoço, mas não tinha fome. Tudo o que queria era apenas me dar uma hora para observar gente vivendo. Queria ficar ali. Inerte. Concentrado no tudo a fim de captar o máximo que minha percepção conseguisse. Desejava sentir a viva em movimento atravessando a mim, a todos, ao todo. Não tenho ideia do que me motivou a buscar tal experiência. Isso pouco importa também. Aos poucos eu me deixava ser, para além de mim, brisa de maresia, poeira de asfalto, quente luz solar, barulho misto indecifrável e mais alguma coisa que não sei dar nome. Era aquilo, naquele momento. Eu e minhas extensões. Pele com ar, com luz, com vida. É. Eu gostava de viver. Respirei fundo. Voltei a mim aos poucos. Era isso. Eu precisava lembrar que gostava é de viver e sentir.