domingo, 28 de agosto de 2011
Relato de uma mulher tropega.
Desejava-me. Sei disso. Tinha seus olhos de águia focados em meu corpo. Queria divertir-se com matéria orgânica e somente isso. Mirava-me por cima de um copo de destilado que escondia seu nariz e seu sorriso encantador. Tinha brilho único, mas bem típico daqueles cariocas que sabem o que querem. Devia ser para lá de Botafogo. Humaitá, talvez. Falou algo em meu ouvido. Não escutei. Sussurrou de novo, me fiz de surdo. Pegou em meu braço e gargalhou, sabia que estava encantado. Contou-me sobre sua vida e me deu um beijo na testa. Queria parecer gentil para não assustar, afinal, cariocas são exatamente assim. Gostam de comer pelas beiradas, se é que entendem o que eu quero dizer com isso. Citou pensadores da contemporaneidade, demonstrou extrema sensibilidade com o uso das palavras. Era desse jeito. Graduados em canalhice, bem como todas nós, pobres otárias sonhamos. Informou-me que estava de passagem na cidade. Era lá de São Paulo, ou algo do tipo. Dei um gole e encontrei seu olhar. Mantive a fixidez por alguns instantes até voltar a beber e com algum elogio, desconversei. Certamente seria tola demais para cair mais uma vez naquele papinho mole. Ele deveria já ter os seus 30 anos e estava naquela festa sem que sua mulher soubesse, provavelmente escondendo a aliança no porta-luvas do carro. Eu tinha ciência de onde ele queria chegar e pelo tipo sabia o que ele estava disposto a colocar em cheque para conseguir. Não é uma questão de ser decente ou não, até por que eu certamente jamais aceitaria a permuta, mas de entender a lógica suja por trás dos belos sorrisos de uma noite aleatória. Foi ai que ele retirou de seu bolso um frasco com um líquido transparente. Com aquele diabólico sorriso de dentes muito bem colocados o direcionou até o meu nariz. Virei a cara. Será que o infeliz acreditou que eu fosse uma daquelas sirigaitas que adoram um teco de graça?! Revoltei-me. A noite acabara ali mesmo. Tudo era ilusão. A alegria era produto de infinitas reações químicas decorrentes da bebida, as amizades, as risadas, os papos e tudo mais eram agora manifestações do grotesco que esbofeteavam minha face. Como podia eu estar comungando de tanta barbárie?! Enojei-me do que havia me tornado. Era tão verme quanto qualquer um daqueles que viviam de tamanha sujeira. O escárnio da sociedade, a lasciva casta dos ingratos. Justo eu que tinha tudo para ser uma ótima mãe! Maria Luiza Cândido Benício Mendes. Eu era indigna, assim como todos os outros.
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