quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Geburt.

Sorri. Bebia vinho. ri. Tinha uma arma na mesa. Joguei a taça contra a parede. Gargalhei. Liguei a vitrola. Dancei. Sozinho. Pés descalços. Terno completo. Sapatos queimando numa lareira singular. Peguei a garrafa. Engasguei-me. Balbuciei uma frase. Ri sem emitir som. Quebrei a garrafa. Peguei a arma. Sorri. Me abençoei. Voltei para a sala. Dancei. Girava a arma. Mirei uma foto na parede. Ri. Atirei. BANG. BANG. Matei o passado. A foto sangrava. A parede manchada. Eu louco na poltrona sentei. Segurava a arma. Sorria tonto. Girei a arma. Atirei em minhas entranhas. Suprimi a dor. Matei o futuro. Rastejando mais para perto da lareira segurei o jornal. Me cobri de jornal. Matei o presente. Nasci em Setembro do mesmo ano.

Descaso.

Entregue ao descaso. O cão passou por mim tropeçando em suas quatro patas brancas. Não quis ver. Levantei do degrau e fui caminhar. Sabia que algo não estava no seu lugar. Carros, crianças, homens e mulheres. Imensos prédios. Eu ali. Não tinha fome. Não sentia frio. Não pensava mais em nada. Minhas pernas me carregavam dramaticamente por aquela rua sem ao menos me consultarem. Apesar de tudo conseguia ainda ver e escutar, ainda que todas as minhas atitudes fossem passivas diante desses impulsos. Não sei dizer ao certo sobre minha respiração. Creio que a minha carne legitimou igual controle sobre ela. Eu era cão em carne de vontade própria. Não acredito que será muito fácil compreender todo o processo. Na verdade, não tenho vontade de compreender nada. A facilidade de ser letárgico me fascinava. Aos poucos memória por memória desapareciam. Estaria morrendo? Cheguei a pensar agora cego. A morte viria a calhar, pois ela sentenciaria o fim. Recordei de alguns amigos que me contavam sobre uma possível vida após o fim. A carne reagiu deixando algo escorrer de meus olhos. Senti minha face contrair. O ar fugiu de meus pulmões e um grito alto transbordou de minha boca para toda a rua. Ganhei velocidade. Corria. Gritava. Chorava. Era cego. Era surdo. Gritava mais. Minhas mãos se contraiam. Minhas unhas perfuravam minha pele. Latia. Pulava jardins. Desviava de postes. Tinha meus dentes expostos. Meus olhos estavam vermelhos. O cheiro da poeira cotidiana contaminava meus pulmões. Não pensava. Era bicho. Era pó. Era nada.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A resposta

Não é preciso mais palavras. Olhava aquele mar cinza. Estava tudo ali. Seu cheiro misturado a maresia consegui confundir meus sentidos. Estava na minha frente. Sabia que era de propósito. Ainda que seu fosse propósito ruim, estava de frente para mim. Senti pena de você. Tão magro, tão bem vestido e com um olhar tão vazio. Faltavam-lhe lágrimas para brilhar o olhar mais uma vez. Encarei de uma só vez. Não queria que fosse necessário outro contato visual. "Boa noite". "Noite". Cruzei seu caminho quando segurou meu braço. "Não seja tolo." Sorriu de canto para mim. "Eu sei o que você pensa de mim. Eu sei que você tenta se enganar." Sorri suavemente. Notei sua mão apertando meu braço e sorri. "Não entendo. Se engana tanto pra que?!" Busquei seus secos olhos. Sorri. Recuei o braço e voltei a andar. "Foge de mim assim por medo?" Voltei para olha-lo quando um caminhão o atingiu.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O ciclo do louco

Olhos agitados. Mãos tremulas. Silêncio. Luz deixando o coitado cego. Movia-se para frente e para trás. Dizia nomes baixinho. Olhos fechados com força. Olhos bem abertos. Um grito. Levantou-se. Jogou-se conta a parede. Jogou-se contra outra. Correu em circulos. Bradava. Desesperado chorou. Caiu no chão batendo com a cabeça. Chorava com força. Batia as pernas. Tentava mover as mãos atadas. Parecia uma barata agonizando com veneno. Movia o rosto perturbadoramente. Dizia nomes. Clamava por uma mulher. Debatia-se com mais força. Estava sozinho. Apagaram-se as luzes. As mãos estavam se soltando. Escuridão. Levantou-se apoiando as mãos no chão. Uma luz sobre seu corpo. De pé alisou a face. Estagnou com as mãos à face. Silêncio. Escuridão. Luz azulada sobre o enfermo. Grito de dor. Outro grito logo atrás. Grito de mulher. Luz azul iluminando-a. Grito de criança. Luz amarela iluminando-a. Escuridão. Risada do louco. Luz vermelha sobre o mesmo. Silêncio. Mulher cai morta sobre seus pés. Criança chora sobre seus pés. Escuridão. Luzes coloridas. Louco rodando sem parar em silêncio. Para de costas. Grito de horror. Escuridão. Olhos agitados. Mãos tremulas. Silêncio. Luz deixando o coitado cego. Movia-se para frente e para trás. Rezava baixinho.