sábado, 7 de setembro de 2013

Aquilo que ela queria falar

A camisa listrada de mangas compridas, o sorrido tímido, o olhar castanho brilhante, mas era o seu jeito doce que mais me encantava. Estranho acaso havia colocado aquele sujeito em meu caminho. Estava lá, tarde da noite, chovia fino, quando por acaso ele passou, mas fora ele quem falou comigo. Aquele encontro iria transformar nossas vidas, que cá entre nós era bem diferentes. De um lado um sonho, do outro uma luta, mas quem disse que a luta não é para sonhadores e que sonhadores não lutam em suas confortáveis nuvens? Os dias passaram num banco de parque, num restaurante, num passeio, e numa varanda a luz da lua. Diante daqueles pares de olhos castanhos um sorriso diferente começava a nascer. Com o sorriso veio o calor e dele brotou o fogo. Os meses passaram e com eles fomos personagens de várias histórias, desde uma aventura ao entrar em uma casa assustadora a um tranquilo passeio numa tarde de sol. Em cada personagem encarnado por si, um novo olhar construía sobre você. Certa vez, gritou. Estava fora de si, mas acalmou. Outra vez, chorou, comigo. E em outra somente me abraçou e se permitiu dizer “Eu te adoro”. Foi quando a ventania fria engasgou minha garganta e remexeu no fogo que ardia. Adorar – Prestar cultuo, Reverenciar, Venerar, Amar muito. Amar. Hoje esses olhos castanhos me encaram e a boca vermelha serena me diz mais uma vez “Eu te adoro”, porém minha boca se prende e não responde de volta. Não por não corresponder, mas por sentir que o fogo de amar é maior do que o de adorar, tão maior que poderia queimá-lo. Sorrio e o abraço. Deixa o tempo fazer a brasa em ti se transformar em fogo para que assim a minha boca possa abrir. Hoje, eu sorrio com os lábios e te abraço pelo pescoço.

sábado, 24 de março de 2012

Diálogo.


Oi. Eu estou aqui, e você?

65.864.468


Quando se está aqui, não se está lá, e é por isso que ainda escuto a sua voz alta em minha cabeça apesar de já fazer mais de 65 horas e meia que você deu seu último suspiro. Meio-fio molhando, onde brinco de equilibrar delicadas opiniões que guardei pelas 864 horas que convivemos, junho e alguma coisa. Talvez se o sapato tivesse sido guardado propriamente naquele armário antigo, o chão não estaria não vazio. Não é incrível como conseguimos por uma calçada dentro da sala? Em cima da geladeira o pinguim não faz mais sentido, por isso resolvi comprar este anão de jardim para substituí-lo. Dei uma volta e meia para tentar encontrar algo que fosse mais a minha cara do que a sua, por isso hoje almocei caranguejo mesmo sendo alérgico a frutos do mar. O que é mais engraçado é que mais me faz achar sem graça alguma aquele presente que me faz lembrar de você, mesmo não sendo você quem tenha dado ele para mim, uma completa inversão de papeis. Esperar que eu, por ser quem sou, te dê algo em que o abstrato sentimento tenha sido projetado, jamais. É sempre bom não deixar vestígios de nossos erros, disse a voz utilizando de seus fonemas que ainda conseguem ferir tímpanos meus. Diga se achar que dizer muda ou não algo, falando assim te coloco numa situação em que, invariavelmente, fazer ou não algo já é obedecer, que lamentável. Nunca pensei que palavras pudessem ser assim, de maneira simplória, bem utilizadas para dar nó em palito de fósforo apagado. Está então, aqui, aquilo que deveria ter dito antes que as 468 tivessem terminado, tempo em que os problemas começaram. De saldo, ganhei uma bota para enfeitar o armário da sala. Quem sabe o anão da geladeira não perca a sua e precise de uma. Genial.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O futuro


Posto o lápis sobre o papel, escreveu. Era agora pássaro fora da gaiola. Poderia escolher o rumo que quisesse tomar. Não havia mais nada que o prendesse. Asas fortes. Bico afiado. Tinha a forma surpreendentemente bela e imponente. Penas azuis e longas que lhe promoviam elegância. Tomou folego e voou. Para o alto, mais ao alto, agora estável. Plainava sobre vales, onde rios cortavam densas florestas. O sol, soberano, fazia reluzir o detalhe dourado das penas de sua face. Vento refrescante fazia o coração daquela magnifica criatura bater mais forte. Viva a plenitude e seguia para o desconhecido belo destino crendo que a sorte o guaria. Pousou o lápis ao lado da folha que escrevia. Estava certo de que seu futuro seria maravilhoso.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Meta-Morfo-Fase


Estava de volta ao mesmo lugar escuro e barulhento de dois anos atrás. Corredores com espelhos, salões amplos, iluminação multicolorida. Tudo no seu lugar. Desta vez não estava tonto. Não precisava disso, pensei. Aqui e ali, o banal estava presente. Mesmas conversas, olhares e danças sem muita emoção. Óculos escuros escondendo caça e caçador. Nos ombros, bolsas pequenas que guardavam tesouros transcendentais para poucos loucos que gostavam de se aventurar. O que me levava àquele lugar novamente era misto de destino com companhias de longa e média data, e talvez uma necessidade de esquecer um pouco toda a tormenta das últimas semanas. No bar, água. Enferruja. Piada de sempre. O tempo se arrastava, assim como meus pés que tentavam firmar um passo de cada vez entre a multidão. Um verdadeiro carnaval eletrônico. A cada encontro um desvio de foco. A cara investida uma desculpa diferente. Até que uma mancha branca entre tantas outras cores se sobressaiu. Estranho como em situações assim, todas as outras cores perdem a graça e ficamos hipnotizados. Havia algo naquela brancura escondida pela névoa de gelo seco e abraçada por altíssimo som que era distinto e familiar. Pouco a pouco pude ver o branco esfumaçado transformar-se em traços mais nítidos. Foi aí que notei uma boca e depois um sorriso discreto. Não era mancha, era um rosto de gente.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Trecho De Leitura De Uma Senhora Idosa Que Acreditava Ainda Ter Alguém


É a minha paixão que esta a me matar. É a minha vontade que está a me destruir, a fazer com que todos os sentidos sejam desfeitos. É a minha ânsia do novo que me faz renascer. É a minha esperança que projeta vida no escuro futuro. É fluxo contínuo e independente. É chama. É nada que preenche tudo e faz assim o todo parecer pequeno demais, mas inalcançável para nós que ainda temos os pés na lama. Mais rápido que a brisa que passou, mais invisível que o ar denso. Menos compreensível do que poesias barrocas. É bem assim. Simples, mas sem deixar de ser completo. Direto, mas sem deixar de ser sutil. Tão longe cheguei, neste ponto, que já perdemos o foco. Já não sabemos se falo de mim, de ti ou d'algo que apenas está por aqui/ai. Não interessa o tema mais. Deixe-me descer esta escada para voltar a contar sobre isso. Cuidado com Abigail. Onde deixei meus óculos? Obrigada. De que falávamos? Ah sim! Menos compreensível do que poesias barrocas. Hm. Direto, mas sem deixar de ser sutil. Agora sim. Assim vivia com a garganta seca. Perdido entre vida e morte, entre paixão, vontade, ânsia e esperança. Buscava rimas para completar qualquer texto a fim de trazer o pão para o dia seguinte. Já tinha meus sapatos arranhados pelas pedrinhas que se desprendiam do solo batido. Não preferem tomar o chá agora? Acho que a leitura poderia ficar para outra hora, não acham? Esta bem. Ontem eu trouxe hortelã da casa de Dona Mariana. Apanhei do pé! Podemos bem fazer um bolo de cenoura e colocar o papo em dia. Soube que sua filha está moça feita! Muito bom. Nossa. E foi? Não sabia disso. Vamos à cozinha, sim? Vamos lá.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Do hoje ao amanhã. Do agora ao depois.


Fechar os olhos para nunca mais abrir. Os ouvidos para não ter que suportar lamentações em vão. Dar um basta em toda essa palhaçada que já não tem mais graça alguma. Chegamos, aqui, ao fim. Caminho curto, sem muitos atrativos. Como uma pista retilínea com pouquíssimas alterações que fazem aquele que por ali trafega balançar. Não importa mais, chegamos ao fim. Também é começo de algo que não precisa ser nomeado ou significado, mas isso não o faz menos importante que o que foi contato até este ponto. É o fim, É o fim, É o fim. As algemas liberam braços magros, as olheiras agora irremovíveis, a alma mais leve do que nunca. Coração já pulsando suave, cérebro desligando aos pouco. Lá se vai. Laços que se desatam aos poucos, vozes lá longe, sensibilidade perdida. Termina, para começar de novo. É sono. Vem o sonho, colorindo ou escurecendo, confortando e assustando. Onírica dimensão em que o cansaço do corpo não faz mais sentido, que as mazelas do corpo são esquecidas em outro lugar. Aqui cegos enxergam, surdos escutam. Caminhar é volitar, ter é pensar, saber é mérito do esforço. Quem diria que o começo seria belo dessa forma. Bendito seja o fim, que veio acalantar. Volta lento para si. Cegueira e surdez chegam ao ritmo das algemas que envolvem os pulsos dos coitados. Retorna. O alarme. Hora de acordar de novo.