sábado, 22 de maio de 2010

O fim do reencontro.


Quando me virei para trás, lá estava você parado com os mesmos olhos vazios. Seus cabelos tão secos como as últimas palavras ditas naquela terrível fria tarde. Segurava minha mala com a mão firme. Meus pés prenderam no asfalto úmido de Maio. Seu terno negro deixava-o mais magro do que já era. Sua pesada maleta envelhecia seu ombro. Sua face começava a ser entregue ao tempo. A característica barba por fazer ainda estava lá. Com o movimento único dos lábios pronunciava seu Francês duvidoso. Com um leve suspiro e um olhar lateral observou ao redor quem o cercava. Fiquei imóvel. Pegou seu café e sentou-se na mesa. Tirou de sua maleta um livro de fábula. Livro antigo. Frágil. Deixou o vago olhar recair pelas infinitas palavras grafadas. Embalado pelo ritmo do blues com aroma de café amargo, leu. Observei seus pés escondidos em sapatos gastos, obviamente disfarçados com uma boa camada de graxa. Vi quando seus mãos cansadas tocaram seus cabelos, alisando-os para fora de seus olhos. Prendia o suspiro e apertava os olhos. Soltei a mala. Virou uma página. Andava involuntáriamente em direção a vitrine. Induzida por uma vontade alheia, tinha as mãos tapando minha boca. Nitidamente, o café alimentava-o com calor. Talvez o único que agora tinha. Tirei de minha bolsa um batom. Delinei cada letra em palíndromo. Recuperei minha mala e afastei-me. Escutava ao longe seus passos desesperados. O barulho mortal. O respeitoso silêncio. Não olhei para trás. Estava feito.

sábado, 15 de maio de 2010

Romantismo no Séc. XXI


Todo dia acordo com uma vaga lembrança do seu sorriso. Todo dia fico esperando naquele degrau você passar com os suaves cabelos platinados e a mesma cara tonta. Todo dia virou dia de seguir tua sombra com os olhos na esperança de um contato. Todo dia é dia de platonear.
Já não lembro mais como isso começou. O tempo, esse mal, passou mais depressa que teus passos. Enganou-me e arrastou-me por vários e vários messes. Ah meu amor, perdoe-me por não domar o tempo; Mas é que meus olhos, tão obstinados por você, não alcançam mais os relógios. Quisera eu não estar assim tão entregue a esse devaneio de Outono. Se isso começou com uns goles de destilado, ou por um mero contato visual, não recordarei. O que importa meu amor é que todo dia por esse degrau você passa. E até quando passará?
Destino torto trouxe-me para cá. Destino louco deixou-me a tua sombra encontrar. Presente bárbaro. Presente tempo. Repito e repetirei até me cansar, se é que isso é possível, obrigado torto-louco. Ouço passos. Vejo sombra. É você mais uma vez. Balsamo perfume aquece meu peito. Incendeia mais uma vez desejo de lhe abraçar.
"Ae meu, tem isqueiro?"
Perplexo, seus olhos fixaram nos meus. Um tanto perdido toquei o bolso buscando um isqueiro. Aqueles castanhos profundos hipnotizavam-me. Sentindo o isqueiro com os dedos, trouxe-o até a altura em que a alva mão de minha amada com unhas bem feitas, poderia pegar. Fechou os olhos lentamente, ateou fogo num cigarro mentolado.
"Valeu." - Disse-me devolvendo-o majestosamente, e seguiu seu caminho com o característico caminhar.
Estava fora de mim. Respirando fundo, apenas conseguia mirar aquela belíssima figura afastar-se. Fora um sinal, de fato. Não. Algo não estava certo. Quem era aquele que a abraçava? Nunca o vira antes! Como ousa tocar minha amada dessa forma?
Não pude crer! Era um beijo!
Todo dia acordo com uma vaga lembrança do teu sorriso. Todo dia fico esperando naquele degrau você passar com os suaves cabelos platinados e seu filho no carrinho. Todo dia virou dia de seguir sua velha sombra com os olhos na esperança de um outro contato. Todo dia é dia de recordar quando você ainda podia andar.

domingo, 9 de maio de 2010

Não.


Não chegue assim com este bafo de leão profanando, sem ao menos pensar, falas já decoradas. Não apareça nesta soleira olhando fixo para mim se não for seguro. Não acorde esta manha caso já saiba que não vai valer à pena. Não. Não toque meu rosto puro. Não tire o brilho dos meus olhos com seus vícios e seu egoísmo. Não abrace meu corpo. Não toque meus lábios. Fique longe. Fique ai. Esqueça que um dia cheguei a sentir sua falta. Esqueça que um dia lhe contei segredos do coração. Esqueça que transformei sentimento em gesto escondido. Fique longe. Fique ai. Parado. Vire o rosto. Desvie o olhar. Não continue sendo assim tão certo sobre mim. Suma um pouco. Tome um chá. Vá ler um livro. Busque uma nova brisa em sua janela. Deixe-me aqui sentada. Deixe-me aqui sozinha. No meu quarto a meia luz encontro mais paz do que em seus braços confusos. Relaxe um pouco. Tire férias. Olvide. Abstraia. Abra sua mente para uma coisa mais produtiva do que esta peça. No final terei ido embora sem ao menos você notar. Estarei quilômetros de distância e incapaz de influenciar qualquer um de seus atos. Carregarei cada roupa para dentro da mala, e por fim partirei rumo ao desconhecido mundo que me aguarda com suas esquinas, buracos e cascos de garrafas de cerveja. Fecharei meus olhos, convicta de que haverá luz adiante. Convencer-me-ei de que o certo a fazer foi feito. E tu onde estarás? Provavelmente não saberei. Provavelmente não vou querer saber. Voltarei minhas mãos pagãs para o céu e agradecerei a um deus por finalmente voltar a ter olhos. E tu o que fará? Não terei idéia de teus passos. Não haverá vaga sombra em rua movimentada para sinalizar teus passos. Seguirei calmamente o meio-fio desta estrada rumo a qualquer lugar. Rumo ao futuro incerto e nefasto. Tudo me soará como uma forte ventania que invadiu meu quarto. Acordarei atônita sem nem lembrar teu nome. Tomarei daquele remédio forte. Voltarei a dormir. Não mais sonharei por alguns raios de luar.

A breve história de Roda.


Rodou no mundo e eu aqui fiquei. Rodou na vida inteira e a saia lá ficou. Tanto tempo de trampo. Tanto tempo pra tentar. Vida nova pra ostentar. Sempre certa e segura roda a vida a sua roda carregando os lás e cás. Sem saber se horário ou não, rodou a roda querendo rodear. Subiu ladeira, morro e montanha. Pulou de lá do alto. Rodou no ar. Rodou-rolou em chão massivo. Quebrou-se a roda em seu rodar-rolar. Maçarico em aço. Água em aço. Fé no aço. Assim, Aço novo formou. Rodou a roda dali pra fora para na vida rodar. Rodou esquinas e bares até não aguentar. Roda tonta pobre roda com seu aço a enferrujar. Cambaleia tonta roda já que estás a se embriagar. Acorda triste aquela roda que já não consegue lembrar. Noite passada fora a festa, hoje de manhã não há o que celebrar. Lateja roda com grande dor recordando dos lás e cás. Chora roda arrependida por seu destino ser rodar.

A despedida.


A soleira ainda estava molhada quando peguei minhas pesadas malas rumo a uma nova vida. Vento frio torceu meu rosto para a antiga casa. Antigos amigos, antigos amores, antigos conflitos, antigas muitas coisas que ainda estavam vivas em minha mente. Lembrava que ali naquela garagem havia aprendido a andar de bicicleta. Correr sobre rodas. Velocidade proporcionando ilusória liberdade. Naquela mesma garagem já havia até brigado. Olhos vermelhos. Face úmida. Gritos intermináveis que culminaram numa infinita separação. Coloquei minhas malas no banco de trás do carro. A rua continuava indiferente a todos os meus dramas. Rua pela qual tantas vezes fui e voltei. Rua por onde já caminhei sozinho e de mãos dadas. Entrei no carro. Dei a partida. A vizinhança de muitos anos. Inumeráveis lembranças. Reflexo de meus olhos num dos espelhos do carro. Não me encarei. Reposicionei-o. Passando uma mão pelo rosto. Respirei. Cheguei à primeira avenida. Acelerei. Estava partindo para sempre. Quantas vezes eu havia passado por ali? Será que um dia vou conseguir me lembrar com tanta clareza das coisas que agora vejo? Em meu peito uma dor incontrolável. Estava cumprindo minhas palavras de anos atrás. Estava indo embora em busca de uma vida independente. Estranho era me sentir tão parecido com uma criança ao se perder da mãe. Passava em frente à antiga escola. Aula por aula, colegas por colegas emergiam de minha memória. Brincadeiras tolas. Risadas altas. Descobertas incríveis. Fora o tempo em que via aquele mundo tão enorme. Tudo não passava de sons ecoando bem longe e abraços imagéticos projetados na tela consciente de meu passado. Chegara à principal avenida da cidade. Velozmente casas, lojas, pessoas, pontos de ônibus e carrinhos de bebe atravessavam de um canto a outro as janelas do carro, e com elas deixava parte de mim. Em cada uma daquelas esquinas um pensamento isolado me observava. Era preciso partir. Meu pé acelerava tremendo levemente sobre o pedal. Numa parte mais alta da avenida observei a imensidão de concreto constituindo incrível paisagem contrastante com o claro cinza das nuvens. Eu era um filho nascido do concreto ventre. Era filho de todo aquele acolhedor e inanimado concreto. Por mais que eu fosse embora, ainda assim seria parte daquela matéria e para ali seria atraído, ainda que por pensamento. Encostei o carro naquela vaga. Retirei minhas malas. Acompanhado de estranhos feitos da mesma matéria que eu, e de outros de outras matérias, misturei-me. Carregava as malas já sem sentir o peso. Talvez eu levasse mais do que eu precisava. Talvez eu o fizesse para não me esquecer do passado. Acomodando-me minutos depois em uma confortável poltrona, observei por uma janela voadora parte de mim marcado no chão por uma faixa indicando o fim. Acelerei. Acelerei o máximo que consegui. Emancipei-me do concreto ventre. Voava pela primeira vez sem que a liberdade fosse ilusória. Para o meu pavor vivia a verdade. E foi assim que nesse estranho novo mundo cheguei.

sábado, 8 de maio de 2010

92716

Café frio. Pacote de goma de mascar de menta aberto e semi-consumido. Semi-contos espalhados em minha mesa branca e indiferente. Meu óculos acaba de aterrissar sobre uma cômoda ao lado. Silêncio. Madrugada fria de inverno. O sono começa a torcer meus pensamentos e ossos. Semi-movimento de mão sobre a face. Olhos ligeiramente vermelhos. Bocejo. Silêncio. Curioso recorte dizendo "Amanhã tem saldão nas lojas "Compre Fácil"". Levantei-me. Semi-ser já sem expectativa de uma noite promissora. Olhei pela janela. Rua vazia. Neblina. Iluminação amarela. Carro azul estacionado. Olhei meu relógio. Parado. Nove horas, vinte e sete minutos e dezesseis segundos. Silêncio. Água passando pelos canos. Cachorro late longe. Deito-me. Luz sobre os meus olhos. Fecho-os. Braço sobre os olhos. Preguiça. Estalar da cama. Levanto-me. Apago a luz. Passos no corredor do prédio. Deito-me. Fecho os olhos. Passos na sala. Rezo. Passos no corredor do quarto. Respiro. Passos em meu quarto. Descanso em paz.